LIVRO DO MÊS - O Sol na Cabeça, de Geovani Martins

Sem dúvida O Sol na Cabeça é um dos maiores lançamentos literários deste ano. Seus direitos autorais já vendidos para 9 países, como Estados Unidos, Reino Unido, França. Além disso, o livro já tem previsão de ser adaptado para os cinemas.

O autor é Geovani Martins, jovem que mora na comunidade do Vidigal e já participou de alguns dos principais festivas literários do Brasil, como a Festa Literária Internacional de Paraty (FLIP) e a Festa Literária das Periferias (FLUP).

Ao longo dos treze contos de O Sol na Cabeça fica claro que Geovani pretende traçar um panorama fiel da pobreza brasileira. Um retrato que só quem está lá dentro consegue fazer. Longe da torre de marfim, Geovani consegue fazer críticas a temas do cotidiano carioca e brasileiro, como políticas de segurança, abusos de autoridade policial, preconceito social e racial.

Sem qualquer julgamento sobre o que escreve, o autor apenas aborda a vida nas comunidades como ela é, com uma imparcialidade quase que jornalística. Da mesma forma, ele evita apresentar os moradores das comunidades como pobres coitados, pelo contrário, ele destaca a resiliência dos que enfrentam os problemas com cabeça erguida.

O tema mais recorrente nos contos é a política de segurança do Rio de Janeiro. A obra faz críticas á guerra ao tráfico e às UPP's. A propósito, esse será o tema do próximo livro de Geovani, um romance que se passará entre 2011 e 2013, período de implantação das UPP's.

Divulgação
Em diversos momentos, Geovani defende que o problema não está nas drogas, mas na classe social de quem a consome (e, consequentemente, na cor da pele). Em Rolézim, por exemplo, o narrador pobre e provavelmente negro (Geovani nunca descreve a cor dos personagens, porém é fácil deduzir pra quem conhece a realidade do país) atrai os olhares de desconfiança, mas o universitário branco de classe média, não. Porém, ambos fumam maconha, assim como o filho do juiz, em A História do Periquito e do Macaco, que sobe tranquilamente o morro em busca de drogas e enfrenta sem medo o policial que tentar impedí-lo.

É justamente nesse conto, que Geovani pega mais pesado nas críticas às UPP's. O conto revela que a guerra ao tráfico consumo de drogas parte do pressuposto que só fuma maconha quem é da favela e só é da favela quem fuma maconha. O narrador, morador da Rocinha que mal sabe flexionar os plurais, consegue fazer uma análise melhor do que muitos comentaristas de telejornal.

Já em Estação Padre Miguel, Geovani chega a descrever o Rio como uma cidade que vive das drogas, seja cocaína, Rivotril, LSD, balinha, crack, maconha ou Novalgina. "Uma semana sem drogas e o Rio de Janeiro para. A droga é o combustível da cidade. A droga e o medo".

Mas nem só de drogas e medos vive a favela e o livro de Geovani faz questão de mostrar isso. Em O Caso da Borboleta, conhecemos a relação de uma criança, sua avó e uma borboleta. Em Primeiro Dia, lemos sobre o primeiro dia de aula em uma escola secundária de um garoto de Bangu, bairro em que Geovani cresceu. E em O Mistério da Vila nos deparamos com um retrato da enorme mistura de religiões que formam o Brasil. O conto narra a relação de três crianças - uma católica, uma evangélica e uma testemunha de Jeová - com dona Iara, a "bruxa macumbeira" da vila.

Por ser um livro de contos, Geovani consegue brincar com os diferentes dialetos da língua portuguesa. Rolézim se destaca por não poupar o uso de gírias e erros de concordância que retratam fielmente o modo de falar da periferia. Esse modo de escrever não está presente em todos os contos, pelo contrário, em alguns, Geovani faz questão de seguir a norma padrão, enquanto em outros, as transgressões gramaticais são mais discretas.

Ele também brinca com diferentes gêneros literários, indo do thriller psicológico, em Espiral ao mais poético O Caso da Borboleta, passando pelas alucinações de A Viagem, onde Geovani aproveita a "viagem" causada pelas drogas usadas pelo narrador-personagem Lucas para poder filosofar sobre a festa de Ano Novo e as praias de Arraial do Cabo.

O grande feito de Geovani é poder dar voz aos invisíveis da sociedade. Nesse aspecto, O Sol na Cabeça chega perto de outras grandes obras da literatura, como O Cortiço, de Aluísio de Azevedo, e A Hora da Estrela, de Clarice Lispector.

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